Hermes C. Fernandes
Sempre haverá quem se aproveite dos momentos de transição ou crise para rebelar-se contra a ordem estabelecida, seja para o bem ou para o mal. Só precisam de uma justificativa plausível para ficar bem com a opinião pública.
Assim foi com Mesa, rei dos moabitas. Por anos ele serviu a Acabe, rei de Israel. Pagou impostos altíssimos, sem sequer reclamar. Eram cem mil cordeiros, e cem mil carneiros com a sua lã. Mas tão logo Acabe morreu, e seu filho Jorão assumiu seu trono, Mesa se revoltou e resolveu romper com Israel. A troca de gestão foi apenas o pretexto perfeito para rebelar-se.
Jorão, ainda inexperiente, pra não abrir um precedente em seu reino, buscou a ajuda do rei de Edom, e de Josafá, rei de Judá.
Josafá era homem temente a Deus, bem diferente de Acabe, pai de Jorão. Porém, aceitou entrar numa guerra que não era sua. Talvez ambos os reis temessem que a rebelião de Mesa provocasse uma espécie de “efeito dominó”. Abria-se um precedente para que outros reinos se rebelassem, e assim, tanto Israel, quanto Judá e Edom corriam o risco de se tornarem um caos político.
Jorão tentara livrar-se do estigma deixado por seus pais, Acabe e Jezabel. Ele não queria ter o mesmo fim que eles. Em vez deles, ele elegeu outro referencial, Jeroboão. O texto sagrado relata que Jorão “aderiu aos pecados de Jeroboão, filho de Nebate, que fizera pecar a Israel” (2 Reis 3:3). Em outras palavras, Jorão trocou seis por meia-dúzia.
Sem consultar a Deus, os três reis saíram em direção a Moabe, pelo caminho do deserto de Edom. “Após andarem rodeando durante sete dias, não havia água para o exército, nem para os animais que os seguiam. Então disse o rei de Israel: Ah! O Senhor chamou estes três reis para entregá-los nas mãos dos moabitas” (vv.9-10). Ora, que direito Jorão tinha de reclamar assim? Fora ele quem decidira por qual caminho subir. Não podemos tomar a soberania de Deus como justificativa para nossos fracassos. Interessante notar que quando o homem é bem-sucedido, usurpa todos os créditos para sim. Mas quando experimenta um fracasso, logo busca a quem culpar. E às vezes, petulantemente, culpa o próprio Deus.
Que bom que Josafá estava ali. Ele poderia estar se perguntando por que havia se metido naquela furada. Mas em vez disso, perguntou: “Não há aqui algum profeta do Senhor, para que consultemos ao Senhor por ele?” (v.11). Eis a diferença entre Jorão e Josafá. Enquanto Jorão buscava respaldar-se em Jeroboão, que foi o rei responsável pela divisão entre Israel e Judá, Josafá buscava respaldar-se em Deus, origem de toda autoridade. Jorão bebia de uma fonte turva e amarga. Josafá bebia de uma fonte cristalina. Jorão se alimentava do pão da rebelião. Josafá se alimentava do pão da vida.
Um dos servos de Jorão respondeu: “Aqui está Eliseu, filho de Safate, que deitava água sobre as mãos de Elias. Disse Josafá: Está com ele a palavra do Senhor. Então o rei de Israel, Josafá e o rei de Edom desceram a ter com ele” (vv.11b-12).
O que interessava a Josafá, era saber com quem estava a Palavra do Senhor. Por que Eliseu? Porque Eliseu havia sido fiel a Elias até a sua partida. A Palavra do Senhor é água cristalina, que só pode jorrar de canais fiéis. Quando o servo de Jorão referiu-se a Eliseu como aquele que“deitava água sobre as mãos de Elias”, Josafá não teve dúvida. Era esse que eles precisavam ouvir. Sua referência era bem diferente da referência de Jorão.
Jorão se espelhava em Joroboão, que usurpou o trono de Salomão. Em outras palavras, Jorão bebia da fonte da infidelidade. Quando Eliseu viu aqueles reis se aproximarem, recusou-se recebê-los. Fitando os olhos de Jorão, Eliseu bradou: “Que tenho eu contigo? Vai aos profetas de teu pai e aos profetas de tua mãe. Porém o rei de Israel lhe disse: Não, porque o Senhor chamou estes três reis para entregá-los nas mãos dos moabitas” (v. 13).
Jorão era um legítimo representante de uma dinastia maligna que se levantara em Israel. Vê-lo fazia com que a memória de Eliseu fosse remetida às perversidades cometidas por seus pais, Acabe e Jezabel. Mas quando percebeu que Jorão se fazia acompanhar de Josafá, Eliseu reconsiderou sua posição, e disse: “Tão certo como vive o Senhor dos Exércitos, em cuja presença estou, se eu não respeitasse a presença de Josafá, rei de Judá, não olharia para ti, nem te veria” (v.14). Ufa! Esta passou por pouco! Que sorte a de Jorão, estar acompanhado de um legítimo representante de uma dinastia iniciada na fidelidade.
O encontro entre Jorão e Josafá era como o encontro entre as águas escuras do rio Negro e as águas limpas do Solimões. Eles se encontram, mas não se misturam. Há convergência, mas não há comunhão.
Em respeito à presença de Josafá, Eliseu decidiu ajudá-los. Mas não sem antes fazer uma exigência: “Mas agora trazei-me um harpista. Enquanto o harpista tocava, veio sobre Eliseu a mão do Senhor, e disse: Assim diz o Senhor: Fazei neste vale muitas covas, porque assim diz o Senhor: Não vereis vento, nem vereis chuva, contudo este vale se encherá de água, e bebereis vós, o vosso gado e os vossos animais” (vv.15-17). Imagine milhares de homens cansados, exauridos, sedentos, tendo que cavar buracos no meio do deserto. Simplesmente não fazia qualquer sentido. Talvez, enquanto cavassem, alguns comentassem entre si: Estamos cavando nossas próprias covas. Mas as coisas nem sempre são o que parecem. O que não faz sentido agora, poderá fazer num futuro próximo. Se ordem de Deus é cavar, então, o que é que está esperando? Cave!
Não se preocupe com os comentários maldosos. Apenas obedeça às instruções divinas, mesmo que não façam sentido. Deus prometera, por intermédio de Eliseu, que viria água capaz de saciar todos os soldados, bem como seus animais. Porém, tais águas não viriam pelos meios comuns. Não haveria chuva, nem vento. Deus faria algo diferente que os surpreenderia.
Aprendi desde cedo que nossos pedidos a Deus devem ser sempre bem específicos. Porém hoje, acredito que quando somos muito específicos, corremos o risco de subestimarmos o Seu poder.
Não podemos colocar nossas expectativas nos meios usados por Deus. Em vez de colocá-las nos canais, devemos colocá-las na Fonte. Deixemos que Ele escolha por quais meios vai nos atender. Afinal de contas, Ele é Deus que decreta os fins e estabelece os meios.
O profeta concluiu:
“Ainda isto é pouco aos olhos do Senhor; também entregará ele os moabitas nas vossas mãos”(v.18).
Epa! Espera aí! O que é que eles estavam fazendo ali no meio do deserto? Qual era o seu objetivo inicial? Eles não estavam ali à passeio, estavam? Óbvio que não. Seu objetivo era o empreendimento de uma campanha militar. A escassez de água fez com que eles se esquecessem do propósito original de sua jornada.
Quantas vezes deixamos de ser guiados por propósito, pra ser guiados por necessidades? A vida só faz sentido quando mantemos o foco num propósito maior que nossa própria existência. Não vela a pena viver apenas em função da manutenção da própria existência. Jesus disse que a vida vale mais que o alimento.
Não deixe que suas necessidades imediatas ofusquem seus objetivos principais. Muitas pessoas são induzidas a pensar que seu relacionamento com Deus só serve para o suprimento de suas necessidades. O “deus” que elas cultuam está mais para o gênio da lâmpada de Alladin, do que para o Deus revelado nas Escrituras.
É claro que Deus se interessa em suprir nossas necessidades! Se não, Paulo não teria dito: “E o meu Deus suprirá todas as vossas necessidades segundo a sua gloriosa riqueza em Cristo Jesus” (Fp.4:19). Entretanto, isso ainda é pouco aos olhos do Senhor.
O próprio Jesus demonstrou isso, ao declarar: “Portanto, não andeis ansiosos, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? (...) De certo vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas elas. Mas buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt. 6:31,32b).
Ele quer nos suprir e saciar, pra que prossigamos na execução dos Seus propósitos neste mundo. Cuidado para não transformar os meios em fins!
Voltemos para o texto que estamos considerando:
“Na manhã seguinte, na hora da oferta dos cereais, vinham as águas pelo caminho de Edom, e a terra se encheu de água”(v.20).
Não me pergunte como, que não saberei lhe responder. Só sei que a promessa de Deus se cumpriu. As águas irromperam e vieram pelo caminho de Edom. Interessante notar um detalhe: as águas vieram justamente da terra daquele rei cujo nome sequer é citado no texto. Os figurões eram Jorão e Josafá. O rei de Edom estava ali só de figurante. Mas foi de lá, de Edom, que as águas jorraram.
Deus gosta de fazer surpresa. Ele faz com que a provisão venha por canais que não esperamos, para aprendemos a depender da fonte, e não de um canal específico. A história não termina aqui. Há uma guerra a ser travada.
“Ouvindo todos os moabitas que os reis tinham subido para pelejar contra eles, convocaram-se todos os que cingiam cinto desde o mais novo até o mais velho, e puseram-se às fronteiras. Levantaram-se os moabitas cedo de manhã e, brilhando o sol sobre as águas, viram diante de si as águas vermelhas como sangue, e disseram: Isto é sangue! Certamente os reis se destruíram, e se mataram um ao outro! Agora, à presa, moabitas!” (vv.21-23).
Você sabia que Deus também faz pegadinhas? Ele sabe o quanto somos enganos por nossas próprias percepções. Lembra das covas que Eliseu mandou que cavassem? A que propósito serviriam? Confundir os inimigos.
Os moabitas foram enganados por seus sentidos. O reflexo da luz solar sobre as covas cheias de água, produziu um efeito que sugeria sangue. A seu juízo, os exércitos ali reunidos tinham brigado entre si, e se auto-destruído. Por isso, guardaram suas espadas, e foram afoitos em busca dos despojos. Quando entraram no arraial... SURPRESA!
Os soldados já estavam prontos para dar-lhes a recepção que mereciam. Nem tudo parece o que é. Somos sempre ludibriados por nossos sentidos e emoções. Por isso, deixe-se conduzir por convicções, não por emoções; por propósitos, não por necessidades.
Por que ficar preocupados com aquilo que dizem sobre nós? Não temos que provar nada a ninguém. Que pensem o que quiserem! Que achem que estamos cavando nossa própria cova. Ou que nos autodestruímos. A verdade sempre prevalecerá! O tempo a revelará.
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