quinta-feira, 30 de setembro de 2010

De quem Deus é cabo eleitoral, afinal?




Hermes C. Fernandes

Que lástima! Às vésperas das eleições, a igreja brasileira se vê completamente dividida. Amizades antigas foram rompidas. Alianças vergonhosas foram engendradas. E quem quer que ainda tenha algum brio, sente-se profundamente frustrado com tudo isso.


Afinal, de quem Deus Se tornou “cabo eleitoral”? Será que Ele Se disporia a bradar do céu: "Este é meu candidato amado, em quem me comprazo... votem nele!"?


O fato é que há muita coisa em jogo! Poder, prestígio, promessas de concessão de rádio e TV, cargos, e… grana, muita grana.  Em nome disso tudo, pastores vendem a alma ao diabo. Vale tudo para angariar os votos dos fiéis. Até usar o santo nome do Senhor em vão.


É claro que como cidadão, tenho simpatia por algumas candidaturas. Mas reivindico o direito de ficar calado. Como líder de uma igreja, tenho a obrigação de manter-me discreto durante o processo eleitoral. Meu papel é estimular o povo à reflexão e ao voto consciente, mas sem jamais tentar manipulá-lo para que vote no que considero a melhor candidatura. Não adianta pressionar. Não manifestarei meu voto, senão, na urna. Aliás, terei que justificar meu voto por estar  morando no Exterior.


O fato de não apoiar uma candidatura não me dá o direito de sair por aí difamando-a, como tenho visto por parte de muitos líderes. Mentiras têm sido espalhadas a partir de púlpitos. Canonizaram Maquiavel! A liderança evangélica brasileira se promiscuiu. Trocaram a bênção de Deus por um prato de lentilhas podres. Sinto náuseas só em pensar…


Lembro-me das eleições em que a Igreja Universal apoiou Fernando Collor de Mello em troca de concessões de TV. Os pastores levavam cartazes do Lula para seus púlpitos e pediam que o povo estendesse as mãos e orasse aos gritos de “queima, Jesus!” Nos programas de rádio, os pastores perguntavam se as pessoas criam que o bispo Macedo era dirigido pelo Espírito Santo. Quando respondiam que sim, eles retrucavam: Então, se ele diz que devemos votar no Collor, só pode ser por direção do Espírito Santo, certo? Você desobedeceria ao Espírito de Deus? Os anos se passaram, e o tal “espírito santo” parece ter mudado de ideia, e hoje, o que antes era considerado o “diabo barbudo”, tornou-se no melhor presidente que o Brasil já teve (pelo menos, segundo a avalição deles!). Dá pra entender uma coisa dessas?


Poucos dias depois de manifestar seu apoio à candidatura de Marina Silva, o pastor Silas Malafaia vem a público explicar porquê virou a casaca e resolveu apoiar Serra. O que estaria por trás de uma mudança súbita tão radical? Será que ele só percebeu de última hora o posicionamento de Marina quanto ao lançamento de um plesbicito para tratar de assuntos como o aborto? Não diga… em que mundo ele viveu até hoje?


Ora, se ele desistiu de apoiar Marina por causa disso, por que não desistiu de apoiar Crivella para o senado, que é descaradamente favorável ao aborto? 


Usando o jargão de Lula, nunca antes na história deste País a igreja esteve tão dividida. Em busca de prestígio e poder a igreja evangélica perdeu foi a credibilidade e a vergonha na cara.


O bispo Manoel Ferreira, presidente da Assembleia de Deus de Madureira (aquele que é carne e unha com o Rev. Moon), justificou seu "apoio total e irreversível à candidatura de Dilma Rousseff", por estar comprometida com "princípios éticos cristãos". Isso é piada?


Renê Terra Nova, auto-intitulado patriarca, profetizou a vitória de Marina Silva com a maior votação da história. Sinceramente, não sei se isso poderia ser considerado um serviço ou um desserviço à sua candidatura. Anos atrás, o então "apóstolo" profetizou a vitória de Garotinho. Segundo ele, há demônios que não saem em nome de Jesus, mas apenas através do voto. Sem comentários...


De todos estes que manifestaram sua predileção política, ninguém fez maior estrago que o Pr. Paschoal Piragine, cujo vídeo em que apresenta o PT como o partido que está institucionalizando a iniquidade no País já foi assistido por quase 3 milhões de pessoas. Tive a sensação de já ter assistido a este filme antes. Que bom que partidos como o PSDB, o DEM, e tantos outros ainda são paladinos da ética e da moral. Pelo amor de Deus... Em que mundo eles vivem? O único candidato a presidente nestas eleições que já assinou medidas para fazer abortos foi José Serra (PSDB), quando foi Ministro da Saúde, em 1998.  Ele assinou norma técnica para o SUS (Sistema Único de Saúde), ordenando regras para fazer abortos previstos em lei, até o 5º mês de gravidez.

Agora, pra angariar os votos dos crentes e católicos fervorosos, tanto Serra, quanto Dilma vêm a público declarar que não são favoráveis ao aborto. 

Pra quê demonizar uma ou outra candidatura? Pra quê incutir na mente fraca de muitos crentes que votar em fulano ou sicrano é o mesmo que trair o Evangelho? Todos eles têm telhado de vidro. 

No fundo, no fundo, a questão do aborto e a do casamento homossexual são apenas bois de piranha, usadas para distrair a atenção das massas enquanto outras iniquidades passam despercebidamente. Não estou diminuindo o valor de tais pautas, mas apenas chamando a atenção dos eleitores para outras questões tão importantes quanto. Como diria Jesus, há coisas que devem ser observadas sem que se despreze tantas outras mais importantes.

Como pastor, quero que o rebanho que o Senhor me confiou sinta-se livre para votar em quem quiser.  Domingo, enquanto milhões de cristãos irão às urnas para votar de acordo com o interesse de seus líderes, nossos irmãos exercerão sua cidadania sem interferência de ninguém. 

Se quiser votar na Dilma, sinta-se à vontade. Se preferir o Serra, idem. Se a Marina, tudo bem. Se o Plínio ou qualquer outro, não tem problema. Apenas, não deixe quem pensem por você. Sua salvação não corre risco por causa disso. Nem há uma maldição destinada para quem votar neste ou naquele candidato. Enquanto caminha em direção à zona eleitoral para votar, louve a Deus pelo privilégio de viver num país livre e democrático.

Viva a Democracia!